8.5.06

15

15.
Quando o silêncio é verdadeiro, o mundo vibra. O silêncio faz rodar o mundo. Estremecer. Fá-lo girar, vezes que ninguém conta, à volta dos astros e de si próprio. O Universo está cheio de silêncio. A pigmentação escura do astro sulcado de estrelas é a verdadeira cor desse silêncio, visceral destino das nuvens no outro lado do dia, história fantástica na órbita rente dos planetas em volta de todos os sóis que se não vêem, mas que estão lá, aqui, neste Universo que também é o das trevas, do mar e dos homens.
O silêncio veste-se do dia. Por isso não se vê quando é olhado.
O espaço sem som é o mundo despido, de frente para a Lua, nua também, e sem vergonha. Tem vergonha quem ouve os ruídos e sente neles música transparente revelando o seu corpo desprotegido frente ao espaço, cara a cara com as coisas simples.
Respirar o silêncio é estar calado, é ver crescer uma árvore ou uma manhã e acompanhar o movimento dos ramos e da névoa sem respirar nem fechar os olhos. Ver as coisas crescer é ser as coisas que crescem, é ser como elas. Silenciar o corpo e evoluir.
Levantar-se é crescer em silêncio. É respirar sem suor nem esforço. Levantar-se é ser simples como o Sol: dar luz e ser feliz com isso. Sim. Ser feliz. Ser feliz em silêncio, sem vento nem palavras.
E estar parado?
Estar parado também é ser Sol, e dar luz por isso. Porque ser-se Sol é não se mexer. É ser uma pedra no campo à espera da chuva do inverno, e ser uma pedra no campo à espera do calor de Julho ou de uma mão que nos lance até mais além, para dentro da água daquele ribeiro, ali ao fundo. Ser parado é ser pedra submersa neste ribeiro ou naquele mar que os livros me ensinam. É ser a geografia toda, sendo pedra, é ser todas as palavras, sendo letra.
O silêncio é isto: uma mão que se fecha esperando os dedos dormentes, para se abrir, de novo, projectando os dígitos todos à luz do dia em que isso aconteceu.