8.5.06

18

18.
Persisto em tentar encontrar a palavra que justifique o destino dos homens e das coisas. Porque me inquieta o facto de as árvores não andarem ou de os cães não terem outra linguagem que não o latido ou os homens não terem outro remédio senão esquecer ou lembrar ou rir ou chorar ou ter frio e medo ao mesmo tempo.
Persisto, talvez, porque sou homem e sofro de medos vários, de sede, de calor ou de frio, de cansaço e pasmo. De saudade de ver tudo o que não vejo neste momento.
Em resposta à minha inquietude tenho a porta fechada de uma mente que é humana e, por isso, limitada. É a porta das dúvidas contínuas que se não abre nunca. A porta dos mistérios insolúveis, guardados em segredo nas arcas de um deus, nunca e sempre misericordioso.
A insaciável vontade de respostas faz nascer em nós a fé nelas. Se não fosse por isso, muito difícil seria a minha existência.
Pergunto-me: «Saber uma árvore não será sabê-las todas?, quem olha para ela não vê tronco, ramos folhas e pássaros nelas? Haverá, assim sendo, sempre, um tronco em cada árvore, ramos, folhas e pássaros que nelas fazem ninho». Com isto fico satisfeito. Mas, o que mais me perturba é a vinda da noite. Quando ela cai sobre os meus olhos ela confunde não só as árvores com as árvores mas as árvores com a montanha, com as flores, as pedras, os caminhos, os ribeiros. Então, quando é noite, tudo é árvores, tudo é flores e riacho ao mesmo tempo. Não posso olhar o escuro e dizer: «Ali está a árvore com folhas, tronco, pássaros». Não posso. Porque não vejo.
O melhor que faço é deitar-me e viver a luz nos meus sonhos. Que são sempre de dia. Aí vejo tudo, e fico satisfeito com o mundo e com as coisas.